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O Sistema Nacional de Educação é o melhor caminho?

Por Celso Niskier, 

Previsto no Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, o Sistema Nacional de Educação (SNE) deveria ter sido instituído até junho de 2016. Passados mais de cinco anos do final do prazo, projetos relativos à sua criação passaram a tramitar de forma acelerada tanto no Senado Federal quanto na Câmara dos Deputados, tendo o Senado aprovado a sua versão do texto no último dia 9 de março. Seguindo esse ritmo, o SNE tem tudo para ser aprovado neste ano de 2022.

À época da formulação do PNE, o Sistema Nacional de Educação foi pensado como instrumento para aperfeiçoar a organização da educação brasileira, de modo que as políticas públicas fossem mais orgânicas e capazes de assegurar esse direito constitucional com equidade.

Mas tudo caminhou muito devagar até que o aumento das desigualdades ocasionado pela pandemia de covid-19 acionasse o alerta e os projetos voltassem a tramitar com maior celeridade no Congresso Nacional. O que, em princípio, pode parecer uma boa notícia, na verdade, precisa ser analisado com muita atenção e com as lentes do atual contexto. Afinal, muita coisa caminhou na última década.

Para começar, o projeto tem foco voltado para a educação básica pública, com pouca interface com a rede particular de ensino, responsável por 17,4% das matrículas nesse nível educacional. A atenção para a educação superior privada é ainda menor, embora ela absorva 75% das matrículas de graduação no Brasil.

Além disso, da forma como as coisas estão caminhando, o debate não tem sido equânime, dando pouco espaço para que atores relevantes do sistema educacional brasileiro possam apresentar seus pontos de vista e sugestões de aprimoramento. Responsável pela formação educacional de uma parcela significativa dos brasileiros, o setor particular, por exemplo, pouco tem sido ouvido e sua voz não tem tido amplitude condizente com sua representatividade, embora tenha conseguido, no texto aprovado no Senado, resgatar a participação das instituições particulares no Conselho Nacional de Educação (CNE).

Outro ponto que vale ser destacado é o fato de que a proposta em tramitação desconsidera as realidades distintas entre os diferentes níveis educacionais. O ensino superior já conta com o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). Considerando ser a avaliação uma parte do todo, por que não partir do que já existe e aprimorá-lo, em vez de criar um novo sistema e aumentar ainda mais a burocratização dos assuntos educacionais?

Dado desse cenário, acreditamos que o debate sobre um sistema nacional de educação deveria se dar por etapas, de modo que cada nível educacional pudesse ser avaliado e contemplado em todas as suas necessidades e especificidades. Assim, o ideal seria, neste momento, seguir apenas com a votação da parte relativa à educação básica e, posteriormente, avançar na questão do ensino superior. E só então, no futuro, unir as duas normatizações formando o que viria a ser, efetivamente, o Sistema Nacional de Educação.

Vale lembrar que vivemos em um país no qual as leis “pegam ou não pegam”. Apenas para ficar no âmbito da educação, temos no PNE um exemplo claro de que não há legislação, sistema ou programa que avance quando não há priorização, orçamento e boa gestão. O Brasil não precisa de mais uma lei, precisa de ação. A educação pode melhorar, e muito, se lançarmos mão das ferramentas que já estão à nossa disposição.

A despeito dos graves desdobramentos da pandemia na esfera educacional, a aprovação de um sistema nacional de educação não pode se dar pelo calor do momento. Inclusive, tanto o Ministério da Educação (MEC) quanto o CNE estiveram pouco envolvidos na discussão e não têm ampla convergência com a proposta. A conjuntura pede calma, reflexão, ação e foco na direção correta. Caso contrário, corremos o risco de colocar por água abaixo mais um esforço para ofertar uma educação de melhor qualidade e mais igualitária para a população brasileira.

Fonte: ABMES