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Em qualquer idade, educação é para todos

Por Celso Niskier, 

Nas últimas semanas, o caso da estudante universitária de 44 anos que foi alvo de deboche por parte de três colegas de turma trouxe para a pauta da sociedade um debate de extrema relevância, mas que estava relegado a segundo plano: o etarismo, ou seja, preconceito em relação à idade.

Além do desrespeito e do posicionamento discriminatório, a atitude mostrou que as três jovens de Bauru/SP também estão desconectadas das demandas e tendências deste século, entre as quais o aprendizado para a vida toda. Hoje, uma das poucas unanimidades é a de que o diploma de graduação é só o ponto de partida para uma vida de aprendizagem. Não é raro pessoas cursarem um segundo ou até mesmo terceiro curso superior. E isso sem falar em pós-graduações e cursos de aperfeiçoamento.

Também não são poucos os casos de pessoas que, por questões econômicas, não conseguiram cursar a graduação logo após a conclusão do ensino médio. Seja para ajudar a família, seja por não poder arcar com a mensalidade, a migração do status de estudante para o de trabalhador, nessa etapa da vida, ainda é uma imposição para a maior parte dos brasileiros. Mais tarde, com a situação financeira mais estabilizada, o retorno às salas de aula passa a ser um sonho possível para alguns.

Há, ainda, pessoas, especialmente mulheres, que precisaram abrir mão dos estudos para cuidar da família; trabalhadores que buscam qualificação para alçar postos e cargos mais altos nas empresas onde atuam; indivíduos que despertaram tarde para a importância da educação; pessoas que não vislumbravam a educação superior como algo possível, mas foram beneficiadas por uma política pública que fez a ponte entre elas e as instituições de ensino. Enfim, cada estudante tem a sua história e suas razões, e todas devem ser respeitadas.

Em 2021, quase 600 mil pessoas com 40 anos ou mais estavam matriculadas nas universidades, centros universitários e faculdades do país, número que representa um crescimento de 171,1% em relação a 2012. E a nossa expectativa é a de que cada vez mais pessoas de todas as idades sigam tendo acesso à educação superior. Elas precisam disso, o mercado de trabalho precisa disso, o país precisa disso.

Inclusive, também os jovens graduandos têm muito a ganhar com a convivência com pessoas mais maduras. A troca de experiências e o aconselhamento de quem já viveu mais são tão importantes para eles quanto o frescor das ideias, da inovação e da linguagem dos jovens são para os estudantes de mais idade. E esse é um papel social importante das universidades: promover a integração entre gerações.

Nesse sentido, é fundamental que as instituições de educação superior estejam preparadas para atender tanto aos alunos jovens quanto aqueles mais maduros, até mesmo lançando mão de metodologias específicas, como a andragogia (ciência focada na arte de ensinar adultos). É essencial, ainda, estimular o desenvolvimento de um ambiente saudável, acolhedor e no qual toda a diversidade humana, inclusive a etária, seja respeitada.

Por fim, como destacou o ministro da Educação, Camilo Santana, em vídeo no qual se solidariza, juntamente com o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, com a estudante Patrícia Linares, a educação é, antes de tudo, um direito humano e cláusula pétrea da nossa Constituição Federal, que vale para todos os cidadãos brasileiros, em qualquer tempo ou idade.

A desigualdade profunda à qual a população do Brasil está submetida se manifesta de diversas formas, inclusive no exercício – ou não – dos direitos fundamentais. Nossa sorte é que direitos não têm prazo de validade, assim como a determinação do brasileiro – que não desiste nunca. A educação é transformadora em qualquer fase da vida, e todos que desejarem acessá-la devem ser apoiados e estimulados a qualquer tempo.

O que me tranquiliza é saber que situações como a que ocorreu recentemente são exceções. Enquanto reitor de uma instituição de educação superior, vejo que a regra é o acolhimento e a troca construtiva de experiências. A visibilidade que o caso de Bauru ganhou foi importante para mostrar que a sociedade não tolera esse tipo de comportamento e também para jogar luz sobre esse público crescente da educação superior.

Agora, cabe a todos – governos, instituições, estudantes e população – trabalharem para que muitas outras vidas sigam sendo transformadas pela educação. E que histórias como a da Patrícia cheguem até nós pelos motivos corretos, como a garra e a determinação de quem se desdobra para dar conta de uma graduação ao mesmo tempo em que tem sob sua responsabilidade todas as atribuições e responsabilidades da vida adulta. Patrícias merecem ser celebradas, jamais hostilizadas.

Fonte: ABMES